O Efeito Borboleta

Querido diário.

Não sei se eu ja contei pra vocês mas o predinho que eu moro tem multiplas personalidades, mais ainda do que a Sybil daquele livro lá. Para começar, ele tem três entradas distintas. E fica localizado numa esquina e tem duas frentes. Sendo que o endereço de uma das frentes é de uma rua de apenas dois quarteiroes que foi engolida pela avenida que surgiu depois. Meu endereço é o da avenida, mas a conta da cpfl vem no endereço da outra frente que fica na rua que cruza esta avenida e que também acham q é a frente pq a entrada para um dos apartamentos é por ali. Na verdade, acho q isso aqui não é um predio, mas um conglomerado de pequenas casas q se amontoaram em alguma aproximação tectônica inversa aa separação da pangeia.

Às onze e meia a Claudia chega esbaforida na manhã de 180 graus de Ribeirão. Esbaforida pq andou quatro quarteirões pra achar um lugar pra estacionar, já que algum folgado estacionou o carro NA FRENTE de nossa garagem e, tudo leva a crer, foi passear no shopping e já volta.

Não é possível que alguém tenha simplesmente parado em frente da garagem, só nisso eu penso. Envolto num misto de humanismo progressista e eu-trucido-este-filhadaputa-e-deixo-os-pedaços-amarrados-no-capô-igual-tiradentes, vou tentando lidar com a situação.

Passam alguns minutos eu eu nao aguento, pego um rolo de fita crepe e vou la e enrolo tudo em volta do carro. Depois, pico a crepe em pedacinhos e faço um mosaico no vidro da frente do carro para atrapalhar a visão do motorista. É para que ele demore muuuito tirando cada pedacinho antes de ir embora. Ok, não vamos levar em conta que eu tb demorei pra colocar cada pedacinho sob um sol do caraio, além dos 180 graus já citados anteriormente.

O tempo passa, são duas da tarde e nada do motorista aparecer. Eu desço lá e coloco mais fitas crepe. Não tem coisa pior no mundo que ser esta mistura de Mengele com Gandhi, e ficar querendo matar e ao mesmo tempo ter dó de chamar a polícia e o guincho, pensando na pessoa ao voltar do shopping e nao encontrando mais o pobre carrinho onde deixou estacionado.

O vizinho do apartamento térreo, com entrada e garagem independentes da minha, mas do mesmo lado da avenida (Entenderam agora aquela introdução sobre a esquizofrenia arquitetônica) chega e vê o carro e me diz, Ô Seu Cleido, o senhor tem muita paciência, eu já tinha chamado o guincho para levar este folgado aí. E nós rimos.

Claudia que tinha ido fazer alguma coisa de carro, volta depois de uma hora e o carro ainda tá lá. Como teve que andar de novo no sol quente uns três quarteirões, está muito brava e praguejando e tomada pela sua parte mengeliana e desejando a morte de sete gerações pra frente e sete gerações para trás do desinfeliz que deixou o carro naquele local. Eu me inflamo novamente e, enraivecido, pego uma caneta para escrever em vidro, aquelas que só saem com alcool e vou lá e escrevo um monte de merdas no capô do carro. Agressões humanistas, do tipo, Fiquei com dó de chamar o guincho seu folgado!

Subo de volta. Claudia me diz, Para com isso de escrever, vai marcar o carro! E eu digo, Calma, é caneta de retroprojetor, não sai com agua mas sai com alcool. Vou lá pro computador ou escutar um vinil no ar condicionado ou as duas coisas ao mesmo tempo, sei lá, não lembro mais. Tô lá, mas meus psicológico fica matutando, E se o calor e o sol fixarem a caneta na lataria e nao sair nem com alcool? Tomado por este pensamento em loop, não consigo mais ficar à toa no ar e desço lá pra baixo munido de alcool gel e paninho para apagar o que eu escrevi na lataria. É bebé, ser blackboc destruidor de patrimônio sustentável orgânico e sem agrotóxicos não é mole não fião.

Desço lá, espirro alcool gel,  esfrego o paninho e… naaaaada deçaporra de escrito sair. Pânico! Pego minha pasta seca de limpeza e… naaaada! Pego cera automotiva e naaaaaada! 10espero total! Atravesso a rua e vou até o lava carros em frente de casa e explico a situação pro mocinhos que lavam carro. Eles querem saber o que eu escrevi no carro. Não entendem a minha dor de bom moço, mas com um d-monho dentro do coração. Mi dão um pouco de pasta de polir numa esponjinha para eu testar. Passo no carro, a Claudia pega um pano e esfrega com força e a canetinha começa a sair. Nós dois ficamos lá polindo o carro. O desgraçado ainda vai levar um carro tinindo e polido embora. Isso que dá se meter com gente do mal orgânica como nós! Chuuuuuupa João do Deus! Quer dizer, melhor não chupar que a coisa já tá feia pro seu lado, né johnny?

Vamos pro pilates, eu e a claudia, pq nós somos roots perfiferia mas tb mantemos o tônus. E eu penso, na volta, se este carro tiver aí ainda ele vai ver só!

Óbvio que na volta ele estava lá, já são quase oito da noite e ele está lá. Começamos a achar que o carro é roubado. O Joca tem certeza que tem um corpo no porta malas. Decidimos que assim não dá, tão chamando a mãe de coxinha e o pai de empadinha e nóis somos perifertia fião e nóis vai chama a políça sim e vamos gritar pra todo mundo ouvir!

A Claudia liga pro 190 e explica o caso. Eles dizem que tão mandando uma viatura. Enquanto ficamos no aguardo, decido tirar as fitas crepe. A polícia chega, pega a placa pra checar se tem algum problema. Vai aqui uma pergunta, Pq policia tem que ter aquela cara séria de batman conversando com o comissário gordon? A gnt fica com medo deles mesmo se eles estão do nosso lado.

O policial verifica e diz que o carro está ok e aciona o guincho. E eu ainda consigo sentir uma culpinha no assoalho do mesencéfalo pela peçoa que vai chegar com as compras e ficar no vácuo (e sem carro). E é neste momento que estamos lá esperando o guincho e fazendo calçada pros políça que vem o grande plot twist desta nossa história.

Estamos lá, todos esperando o guincho e surge o vizinho do térreo,  aquele que me disse, Ô Seu Cleido, senhor é muito paciente, eu já tinha chamado o guincho faz tempo! Surge ele e diz, Péera Seu Cleido que acabei de descobrir que este carro aí foi o dono da garagem meu amigo que veio pegar o carro que eu comprei dele para ver um probleminha que surgiu e deixou este para eu nao ficar sem carro. Ele deixou a chave com o meu filho (adolescente, nota do tradutor) que esqueceu de me avisar, eu que vi a chave lá e perguntei, daí ele me disse. Entre quase uma vontade de rir e outra de chorar, só consigo pensar que tô com dó deste filho pq o pau vai comer na casa do noca mais tarde.

E lá vai o vizinho conversar com os guarda pra ver se consegue cancelar o guincho. E os guarda, como eu bem disse antes, fizeram curso de fleuma britânica EAD e ficam com aquela cara e dizeres de sorry impossible to eat, the lemon tree very pretty. Ou seja, nem morta que nóis cancela este guincho pq nóis ganha porcentagem. E o vizinho lá conversando, pq além do guincho também tem a multa. Depois de muita conversa, consegue que não guinchem o carro e fica só com a multa. Muita conversa inclusive com o dono da garagem de venda de carros pelo celular. Mesmo assim o guincho chega, vem num pau passando pelo outro lado da avenida e buzinando pros parça poliça que, em código morse, deve significar, Guenta aí que to chegando! Ele chega. Explicam a situação para ele.

O vizinho consegue nao ser guinchado, mas fica com a multa que vai repassar pro dono da garagem, que vai repassar pro idiota do funcionário dele que veio pegar um carro e deixou o outro em frente de uma garagem. Os policiais e o guincheiro olham meio quarteirão pra frente e veem dois carros estacionados em local proibido. Para não perderem a viagem (e nem a comissão) vão lá, multam os carros e o guincho leva os dois embora.

A Claudia vira para mim e diz, Caramba, a primeira vez que eu chamo a policia na minha vida e vira essa coisa! Se isso não for uma demonstração prática do efeito borboleta, eu não sei o q seria!

8 Replies to “O Efeito Borboleta”

  1. Eu mandava guinchar e ainda dizia para o vizinho : eu bem que gostaria de poder fazer algo para te ajudar!

  2. Elementar caro Cleido, digo tio Beto. Note que o carro possui um marcador de ano 2015 logo se trata de um carro a venda. Eu sei ia demorar o dia todo pra concluir que é o vizinho já que ele não desconfiou.

    1. sim, e tb descobri que o 15 é o ano do carro. Mas se o vizinho que comprou um carro nesta garagem nao desconfiou, quem sou eu, um u1000d servo do senhor, para desconfiar?

  3. Adorei a história. Já tive problemas recidivantes com garagem obstruída. Chegava, reclamava, e nada. Na saída era pior, mas a pressão era maior e não demorava aparecer num amigo de vizinho pra deslocar o veículo. Um dia ataquei de batom vermelho nos vidros com mensagens súplicas similares às suas. Pior q era um Natura. Deu uma meleca danada. Os conselheiros e o síndico, amigo do obstrutor, me formalizaram uma advertência escrita. Eu disse que me desculpava e que dá próxima vez q fosse obstruída de sair para trabalhar eu ficaria em casa e remeteria a eles meus honorários para ressarcimentos . Daí never more.

  4. Uns 30 anos atrás, com um amigo que não vou dizer o nome, pq virou médico de respeito, vivi situação parecida. Esvaziamos 3 pneus e fomos embora. Culpa, eu? Haha!

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