Laerte-se


Primeiro documentário brasileiro feito pelo netflix. Co-dirigido pela Eliane Brum o filme mostra o cotidiano da cartunista Laerte (só para nao parecer q sou moderno, para mim é dificil dizer a Laerte, por outro lado tb gosto do desconforto e confusão que isso me provoca). Todo documentário é também uma obra de ficção e por mais que ele acompanhe o acontecer daquilo que se filma, muitas das cenas, por uma questao de montagem, precisam ser construídas para funcionar. E este, apesar da falta de adornos de linguagem cinematografica, por mais que ele seja uma câmera acompanhando uma reality interview, também é uma obra de ficção, um dos recortes possiveis da realidade, em sua estrutura.
As diretoras optaram por ouvir Laerte, perguntar o mínimo possível sobre grandes temas, questões e processos importantes acontecendo na vida da cartunista. O doc não tem trilha sonora em grande parte do tempo, é como se o silêncio de fundo das conversas emulasse o real do cotidiano. O máximo da sofisticação sao as animacoes das tirinhas dela. É como se as diretoras nao quisessem nos distrair do que é dito em cena. Só isso é importante. Tudo é visto pelo ponto de vista da Laerte. Não existem depoimentos de parentes, amigos, colegas de trabalho, nada. Apenas a figura provocadora da cartunista. Provocadora não só por se vestir de mulher, ter dúvidas se faz um implante de seios e se auto declarar como mulher. Principalmente pq ela nao mudou nada em sua maneira de falar ou mesmo no tom de sua voz. Se você fechar os olhos, vc terá certeza que é um homem sem nenhuma caracteristica, comumente associadas ao sexo feminino, que está falando.
Achei isso bastante provocador nesta construção de mulher dela. É como se ela falasse, Eu sou mulher mas eu falo como sempre falei, como um homem, pq o ser a mulher que eu digo que sou nem eu sei se é possivel ser.
Gostei de conhecer mais sobre Laerte, de ver que nao é uma pessoa cheia de certezas sobre o que é e mesmo sobre onde pretende chegar com tudo isso. É um processo, e nem mesmo ela sabe onde tudo isso vai levá-la.
bonus track: Eliane Brum tem uma conduta quase etológica na entrevista, ela quase nao aparece, apenas introduz os assuntos, mas deixa laerte falar.

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