Reflexões sobre a Velhice, a Vida dos Patos e a Física no Cotidiano


Não sei se é por conta da minha glicose que deu um pouco alta, mas acordei dramático existencial, hoje. Na hora que sai de casa pra levar o Joca, o tapete tava todo desarrumado porque JJJ, nosso gato selvagem de estimação, dormiu lá a noite. Lá fora, embaixo da árvore, escuto um farfalhar de asas e folhas e penso que janjão garfou uma rolinha. Olho pra cima e é uma rolinha pomba gigante. Que que é isso? Parece uma rolinha refrigerante de 2 litros de tão gorda. Penso q nosso filho pet selvagem apreciaria muito aquele chester voador.
Depois, quando já deixei o Joca na escola e saio do supermercado, nunca consigo parar perto o suficiente do leitor optico de codigo de barras para mostrar o comprovante de estacionamento e depois conseguir jogá-lo no lixo que tem ao lado. Mas a física sempre me salva já que me lembro da resistência oferecida pelo ar ser maior em uma superficie plana do que numa area de contato esférica. Com orgulho de meu conhecimento, amasso o comprovante, formando uma bolinha, e arremesso direto no lixinho meio longe. Não consigo não fazer uma cara de soberba que só quem estudou na USP sabe fazer.
Volto pra casa e decido que hoje será meu primeiro dia de caminhada. Pego o iPod da claudia pq meu celular nao cabe no bolso do short de caminhada que nao tem bolso e vou pro parque do não pode. É o das artes, mas não pode nada lá. Não pode animais, não pode som, não pode bicicletas, não pode patins, não pode comer, não pode dar comida pros animais. Começo a caminhar e já descubro que o trajeto tem 1000m. Dou uma desanimada naquela minha idéia inicial de dar 10 voltas na pista. Percebo um movimento na água, é um pato que emerge com um peixe na boca. Igual no discovery channel, o peixe lá se estrebuchando no bico dele, cai na agua e o pato mergulha atrás dele, passa uns 12 segundos e volta o pato triunfante com o peixe na boca. Coitado dos peixes, ninguém liga pra eles enquanto carne. Até vegetarianos comem peixe se bobear. Passam patinhos em fileira pela grama, estes são preto e branco. Continuo a andar e tá teno uma reunião de patos noutra parte do gramado, bem embaixo de uma árvore, na sombra dela. Acho tão bontinho uns que balançam o rabinho de penas. Continuo minha caminhada, tem uma parte que está bem no sol, e eu nao levei boné nem passei protetor. Mesmo as sete e quarenta da manhã, o sol é foda em rebs.
Vejo umas garçonas marrons. Que é aquilo? Ema? Tem também várias casinhas de cachorro destas de loja de pets espalhadas pelo gramado pros patos, eu acho. Sobre um certo ângulo da visão de quem caminha, elas perdem a tridimensionalidade e só vemos o formato arredondado como se fossem lápides cinzas no meio da paisagem. Ok, podem ser endorfinas que apareceram pq já to meio cansado. Decido que não vou conseguir duas voltas inteiras.
Neste momento, passa por mim um moço fitness, fisioterapeuta, ele tá correndo na pista, e me dá um cartão de personal trainer. Eu penso, Nossa, pq ele deu só para mim o cartão e continuo a andar. O iPod da Claudia começa a tocar ’tis is a pity she was a whore do último disco do David Bowie, mesmo passada toda a comoção pela sua morte, ainda é possível sentir a genialidade de seu black star nas minhas orelhas.
Resolvo voltar pra casa, to bem cansado. Só não contava com os três quarteirões de subida até ela pra quem já tá no toco. Vou andando e esmorecendo, começo a encanar que to encanando que to passando mal e vou desmaiar. Mas aí eu desencano que to encanando que to encanando. E se eu estiver desmaiando mesmo? Daí eu encano que se eu desencanar eu posso desmaiar mesmo pq estava desencanando de algo que deveria ter encanado. Por via das dúvidas, paro e sento na muretinha de um prédio comercial na esperança que passe uma alma caridosa conhecida e me de uma carona de dois quarteirões, agora. Chego a conclusão que era encanação mesmo.
Descanso e chego em casa. Preciso de uma água. Como uma banana e tomo meio copo de agua de coco. Vou pedir pra vcs uma coisa. Se eu entrar nesta vibe de ficar falando de calorias e de quanto que caminhei no parque, se eu virar fitness, se eu contar quantas calorias tem uma espiga de milho, vcs já sabem o que fazer com o sabugo, ok?
Resolvo ver o nome do fisioterapeuta que me deu o cartão no parque. Olho pro cartão e, na parte de cima, em letras maiores, está escrito, especialista em Obesidade e Terceira Idade. Começo a rir pra não chorar. Minha dramaticidade pré-diabética se exacerba. Velhice e obesidade. Tomanocú!
Aprendi com minha cirurgia que morrer não é uma ópera barroca com um coral de 500 vozes anunciando o fim. Morrer está mais pra fechar os olhos só para dar uma descansadinha. Está mais pra um joão gilberto cantando, é só isso meu baião e não tem mais nada não, dim dom dim dom.
Hoje, quando me vi na seção de hortifrutos do supermercado às sete da manhã, escolhendo tomates, eu percebi que a velhice tb chega de manso, todo dia um pouco e não necessariamente num alzheimer de babar papinha no leito do asilo. Se estas duas percepções do processo da vida foram boas, não posso dizer com certeza. Mas posso dizer que dá um certo alívio saber que morrer é só um piscar de olhos do qual não se volta.

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