Formatura, a estranha

Semana que passou teve a formatura da Sofia. Não posso negar que imaginar ir pra colação de grau e encontrar desafetos da antiga escola do zé gotinha me perturbou o existir por dias. Sexta de manhã, partimos para a colação depois de eu dar um tapa no visual da barba, reforçando a tonalidade azul, para passar discretamente sem ser visto pela cerimônia.
Mas antes da formatura, na terça, teve dois eventos simultâneos na minha vida, uma comemoração em familia de algo que nao deveria ter sido comemorado e a abertura da copa de futsal down que eu tinha feito o desenho do mascote e fizeram questão da minha presença na abertura do evento. Calma, dizer que fizeram questão da minha presença está escrito aqui porque esta informaçao é importante pro desenrolar da história do mascote. Eu fui na abertura mas não poderia ter ido. Mas achei falta de consideração não ir, então fui. Cheio da autoestima que a maior parte dos artistas possui eu fui e fiquei esperando agradecimentos públicos ao meu desenho, feito gratuitamente, do mascote. Sim, meus caros, caridade não existe. Ou melhor, ela existe mas não sabemos onde e por quem ela é feita. Se sabemos, não é caridade, é promoção. Eu nunca fiz caridade, por isso, esperava um agradecimento público na abertura para acalentar meu ego. E ele não veio. Agradeceram até loja de tintas, as famosas parcerias entre o público e o privado que o peéssedebe A-Dóó-ra, mas eu não. E descobri que poderia ter ido antes pra comemoração do incomemorável que ninguem nem teria percebido. Acontece que sou tonto, se alguém me diz, Faço questão da sua presença, eu levo isso a sério e penso que fazem mesmo. O resto é fantasia minha, reconheço.
Chegando no centro de eventos, na escada rolante, dou de cara com a formiga rainha do zé gotinhakids, trespasso o olhar através de seu pequeno corpo pq sei que somos feitos de vazio, quanticamente falando. Foi um bom começo, se nao fosse os betabloqueadores, provavelmente teria sentido meu refurbished heart acelerar um pouco. Entramos pelo centro, dou de cara com o bundão, meu éks-amigo diretor de lá que nunca veio conversar comigo e me explicar o que aconteceu. Bundão, sim, um bundão sem estirpe e majestade de chefe. Ele finje que não me vê, sua melhor especialidade cognitiva, mas eu, achando que tava podendo, encaro o bundão e fico olhando pra ele até o momento em que, inevitavelmente, nossos olhos se encontram na intersecção de retas que se cruzam. Bundão olha e eu continuo com a cara de mau encarando ele e seguindo em frente. A vida até parece uma festa, diversão é soluçao sim. Diversão é solução para mim.
O lugar é tão grande que sinto que não terei mais nenhum problema com ninguém, não verei mais ninguém, já que estou lá no fundão. Sentamos eu, a claudia, o joca e depois chegam mariana e minha irmã. Nico não foi. Nico deu uma de revolts com a irmã, com o sistema capitalista, com a vida e com o universo em desencanto ao seu redor. Óbvio que teve treta em casa por conta disso antes de saírmos. Mas, como diria o mano brown, cada um é cada um. O que o mano não disse é sobre a vontade de dar uns cada um na orelha de gente que tá fazendo uma burrada, você tenta avisar, e a pessoa não escuta ou finje escutar.
Olho para aquele lugar imenso e reparo nas portas estilo ginásio do baile da carrie, a estranha. Fantasias de violência paranormal povoam a minha cabeça.
Imagino eu olhando pras portas e elas trancando psicocineticamente, a edição das imagens acompanhadas pela trilha sonora, Tcham, Tchaaam, Tchamm!
As pessoas todas pegando fogo e gritando. Os amigos e amigas da escola olhando pra mim com olhar de eu nao tenho nada a ver com isso, eu gosto de você até. E, mesmo assim, elas todas voando como marshmallows pós-fogueira. Formiga rainha torrada num canto da parede. Bundão, fazendo o que faz de melhor, cagando de medo. No meio de tudo, sofia de zóio arregalado passando incólume pelas chamas da vingaça. Rararararaa, acho que puxei o joca, fico com vontade de rir só de imaginar tudo isso em minha fantasias.
Acaba a formatura, sinto-me feliz de ter ido, passado micromomentos de tensão e suspense, rido com eles e com outras coisas, gritado junto com a familia na hora q a sofia foi receber o diploma, de tudo ter corrido bem. Do lugar ser grande o suficiente para garantir minha distância do mal.
Como haviamos planejado, a comemoração vai ser no madero’s bem ali em frente. Dia de morder aquele sanduíche maravilhoso e lembrar o motivo porque, apesar de tudo, não sou vegetariano. Chegamos lá, sentamos. Eu olho mais pra frente e percebo que a idéia de ir ao madeiros não foi só minha. Metade do corpo docente do mal está lá também. Óbvio que no meio deles, tem as pessoas que eu gosto também, mas o mal predomina. Penso assim, deboas, eles tão lá e eu to aqui, continuemos, então, nessa vontade normal de viver.
Sim, mas se vocês assistiram Carrie, a estranha, o original, vocês se lembram que este filme inventou o susto quase nos créditos finais. Aquela pulada básica da poltrona do cinema numa hora que você já relaxou e deu por encerrado o filme de suspense que você estava assistindo. Foi assim, comigo, também. Quando percebo, vejo a mãozinha enterrada da carrie em forma de professor desafeto levantar da terra e caminhar em minha direção. A mãozinha vem até mim e me cumprimenta, continua a segurar minha mão e me diz, Precisamos conversar, o que você pensa que aconteceu é só a sua versão do que aconteceu, tem o outro lado. Eu consigo ficar quieto e só olhar como havia treinado por meses caso isso acontecesse. Para terminar, a mãozinha ressuscitada ainda termina com uma frase digna do filme Em busca da Felicidade do will smith. Ele diz, O papel que você tinha na minha vida você continua tendo!
A mãozinha morta de carrie desgruda da minha e vai-se embora. Eu fico mal, eu fico bem mal porque mais uma vez eu acho que eu alucinei tudo e que todo mundo é adulto e só eu sou uma criança mimada e magoada por seres superiores racionais e adultos. Quase estraga meu almoço. Mas não estraga. Não estraga porque eu tenho memória e me lembro que o professor é bom de linguagem e usou sua língua, muito tempo atrás, para ficar fazendo piadinhas na minha ausência sobre uma ligeira treta que tivemos por conta de uma sala onde eu ficava e que ele chegou lá um dia e, senhor de si, pediu para eu sair pq precisava ter uma conversa particular com outro professor. Oi? Eu sei que por conta de ter dito pra ele que não tinha gostado dele pedir para eu sair da minha sala, ele ficou fazendo graça na sala dos professores sobre isso. Lógico que nunca na minha presença, óbvio. Lembrando então disso, cheguei a conclusão que o papel que tive e continuo tendo na vida dele, deve ter sido o de papel higiênico, rarararaara. Marcou, o final do discurso dele foi exagerado e daí eu percebi a falsidade. Claudia não estava na mesa nesta hora, uma pena, já que ela em sua precisão cirúrgica de matar, teria dito apenas, Meu, vaza daqui, nós estamos almoçando!
E o final extended play do carrie ainda não tinha acabado. Mas o que aconteceu na sequência levou meu private carrie, a estranha mais pro lado de A Praça é Nossa já que virou comédia de baixa qualidade e apelo popular.
Passa mais alguns minutos e sinto alguém me abraçar pelas costas. Eu estou sentado, mas a pessoa está de pé. A voz é inconfundível, grave. Mas não está natural. A voz interpreta um papel e tem uma dicção entonação parecida com o ro ro ro do papai noel. Parece um conto de natal com o bom velhinho falando comigo, o mau velhinho. RoRoRo, diz o bom velhinho. A voz me abraça e diz, Deixa eu dar um abraaço neste meu FALSO amigo. Eu olho pra claudia e começo a rir. Não é um riso de nervoso, nem de sarcasmo. É um riso de i don’t believe no que tá acontecendo. Meio que me desloco de mim mesmo e parece que estou assistindo um quadro da praça é nossa em que eu sou o carlos da nóbrega abraçado pelo mendigo aristocrata. Eu rio porque o instante existe. Nao to alegre nem to triste. É tudo um absurdo. Eu, um falso amigo, rararaa. Deveria ser obrigatório para todo mundo, tipo assim serviço militar, fazer um ano de psicanálise ou afins. Daí a pessoa não pagaria o mico de projetar no outro uma coisa que ela que é. Sábado intenso e nem são 13 horas ainda. Volto pra casa abatido pela maneira como as pessoas são falsas quando precisam ser falsas. Nenhum deles, nem o bandido nem o assistente de bandido entraram em contato comigo antes desde que eu fui demitido do zégotinha. Nenhum. Ser demitido, pelo menos no meu caso foi algo como dizer, olha ele terminou de existir. O mesmo papel que eu tinha antes, sei.
Essa invasão de minha privacidade, esta avançada de sinal em minha direção só piora tudo. Depois de um ano deixando a página cultural da escola continuar a existir em minha página pessoal do facebook. Depois de um ano esperando que eles acordassem para a vida e chegassem a conclusão que não se deve deixar bem tão precioso nas mãos de quem criou a página e tem a senha dela e a capacidade de fazê-la deixar de existir, e que foi demitido e agora é um velhinho magoado e rancoroso, depois de um ano, eles não se tocam disso na prepotência e arrogância característica de quem mora no olimpo, mesmo que num MRV do olimpo. Desconecto a página, tiro seu conteúdo e deixo ela lá como um memorial vazio, testemunha de tudo que ela não virou.
No domingo, a vida continua e o Lau morre. Tá tudo tão louco e intenso e estranho neste final de ano que eu nem ligo. Faz três finais de ano que a vida explode em cacos para mim. E olha que nem contei aqui da reunião familiar marcada para comemorar um fato desaparecido que duas horas antes da reunião descobrimos que não havia motivo pra comemorar porque ele ainda estava lá.
Não fui ao enterro do Lau, decidi não ir. Acho que foi só passando os dias para que eu percebesse a partida dele como algo definitivo. Algumas pessoas morrem para mim em momentos estranhos e, com isso, ficam suspensas num limbo de estão vivos mesmo que mortos. Talvez isso vá acontecer com o Lau. Aconteceu com minha tia Lourdes. Quando eu fiquei sabendo que ela morreu, estava num congresso de cognição na Unicamp. Nunca tinha ido pra unicamp, nem neste tipo de congresso. Foi lá que eu fiquei sabendo quando liguei pra claudia. Dois momentos únicos diferentes, a morte da minha tia e a unicamp. Os dois se juntaram e criaram um limbo de minha tia nao morreu no meu coração. Coisas estranhas do espaço-tempo na linguagem dos heptapodes.
Terça vou fazer fisioterapia as sete e vinte da manhã. Depois vou pro Extra comprar carne pra fazer yakissoba, o resto eu ja comprei o kit no reginas picadinho (eu tenho medo deste nome). Pego o lombinho e rumo ao caixa enquanto penso, Será que tem mais alguma coisa para eu com….BLUSGHSSPALSH CROC CABRUM! Essa onomatopéia toda sou eu caindo na seção de legumes por conta de uma poça de agua que tinha no chão. Eu caí mesmo. Imagina um supermercado vazio. Imagina um senhorzinho caminhando docemente no meio das prantas com a barba azul. Agora pensa numa ema sendo abatida a tiros e caindo meio que morrendo mas espalhando as asas para manter o equilibrio enquanto vai ao chão. Esse sou eu. Levantei, mas o moral ficou lá no solo. A calça com uma perna completamente ensopada pq eu fiz questã de enxugar a poça com ela. Alguém me explica pq além da gente cair e se fuder ainda temos que ficar com vergonha de ter caído? Mundo injusto este.
Vou andando até a fila rápida que era razoavelmente longe de onde eu tinha caído e me perguntam, Machucou? Sim, sim, foi uma queda espetacular e visível a quilometros, pelo jeito. Sim, sim, eu reclamei e tals mas nem fiquei bravo. Minha semana tava tao cheia dos paranauê que até achei que a queda do império romano ornava com ela.
Existe um discurso no mundo adulto capitalista que nós, os adultos, temos que agir e reagir aas coisas de maneira adulta. Isso significa, pro mundo adulto, ser racional e educado e, se for o caso, só depois fuder com a pessoa que é seu desafeto, muito educadamente e sendo adulto. Depois que eu derrubei o varal e as roupas ficaram todas caídas no chão, um mlk aluno do zé gotinha entrou em contato comigo querendo conversar “como dois adultos”. E eu pensei, como conversar como dois adultos com um mlk que criou um perfil falso pra me zuar e postou que eu era o câncer desta página minha que ele achava que era dele, que tudo que eu publicava lá era porcaria? Só se ele fosse conversar como adulto pq eu nao converso. Eu sofro de empatia filogenética. Eu subo ou desço meu nível ao mesmo do meu interlocutor. Seja ele o homem aranha, um inseto ou alguém que discute a relatividade da objetividade cognitiva. Para mim, conversar como adulto, muita vezes é apenas ser falso o suficiente para continuar a luta depois, pelas costas. Eu não, eu arranco meu coração e coloco aqui pra vocês. Me fodo? Claro. Pago mico? Claaaro. Me exponho? Claro. Mas não sou falso, o mais idiota e infantil dos meus sentimentos está aqui. Para quem quiser e para quem não quiser ver.

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