A Nobreza dos Sentimentos Baixos

Sempre quis ser amado pelos meus alunos e alunas, meus seguidores nas redes sociais, meus amigos e amigas, sempre quis ser amado por eles. Mesmo quando sou um chato, eu quero amor. Quero que digam, Eu amo este pentelho!
Porém, ser amado é tarefa árdua, gasta-se muita energia.É preciso estar atento e forte, sempre. As pessoas amadas nunca podem pisar em falso, qualquer descuido e o amor vai embora. Ser amado é manter-se em guarda o tempo todo. Ser amado é contra as leis da natureza.
Hoje eu acordei de manhã de um sonho interessante. Estava sentado e de repente olhei para o meu pé e nele tinha um buraco meio descascado. Não sei se vcs ja foram crianças de ficar com aquele cascão no pé, aquela camada de queratina que é quase um casco. Dai q tinha vez que descascava um pedaço e você puxava uma pele e ficava um buraco igual quando você puxa um fiapo daquelas muçarelas que desfiam.
Bom, mas voltando pro sonho, eu olhei pro meu pé e vi que tinha um buraco na sola queratinizada dele. Virei meu pé com as mãos para ver direito e vi um buraco retangular de uns 4 x 3 cm que afundava na pele cerca de uns cinco centimetros de profundidade. Lá no fundo estava a sola do meu pé de verdade, bonita, viva, rosada e nova. E esta camada grossa por cima era feita de pé morto, insensível e cascudo. Olhei e fiquei impressionado que meu pé estava la dentro do meu pé e que aquele cubo vazado do buraco ia até ele para me mostrar que ele estava lá, vivo.
Neste final de ano, mesmo antes das porteiras das demissões na educação terem sido abertas, escancaradas, mesmo antes de ver amigos e conhecidos despencarem para fora de seus empregos, eu resolvi ser odiado ainda movido por um gran finale que tinha prometido pra mim para resolver de vez meu período de luto com tudo isso. Desta forma, neste final de ano, decidi me libertar da necessidade de ser amado incondicionalmente pelos meus alunos e pelos outros e ser odiado. Não estou acostumado com isso, quero ser amado. Mesmo que o amor venha quase que incondicional, ele exige cuidado permanente de quem quer ser amado para ele permanecer em alta. É muito desgastante. Por isso, ser odiado pode ser libertador e mais verdadeiro em determinadas circunstâncias. Não corresponder às expectativas e fazer o que suas emoções mais vis sussurram aos seus ouvidos e vísceras é se dar ao luxo de ser a pessoa baixa que você é, que todos somos. É recusar o mundo adulto que interage de maneira adulta e educada enquanto emoções menos desenvolvidas filogeneticamente comandam de verdade e mandam nos bastidores das negociações. A razão é falsa e adulta, porém é educada. Somos movidos por ela no nosso cotidiano newtoniano. Precisamos dela pra conservar nossos empregos e relações sociais. Não é possivel viver intensamente num mundo adulto, racional e polido. Mas é só este mundo que nos é ensinado a viver ou almejar viver quando nos tornamos maduros. O resto é ser criança, infância, maneira infantil de lidar com o universo.
E se não existisse esta hierarquia de emoções? E se o altruísmo fosse da mesma intensidade e nobreza de uma vingança? E se o choro da perda pudesse se manifestar para sempre em nossas vidas da mesma maneira que se manifestou quando perdemos o seio materno? Sem as frescuras e sublimações e racionalizações que fazemos da perda algo mais nobre e inglês quando crescemos e nos tornamos adultos.
Ter detonado com uma página com quase 3000 seguidores e causado a revolta de uma parcela de ex alunos foi uma coisa que eu não quis pra mim, mas que foi necessária. Ser odiado é ruim, mas é libertador. Não exige nada de você além do pontapé inicial. Não precisa de manutenção, não é preciso reagredir, cuidar. O ódio, primal que é, mantêm-se quente forever e por si só. E você fica liberto dozotro e da necessidade de ser polo gerador de amor e compreensão.
Por quanto tempo pisei o solo com esta camada isolante feita de células mortas de amor e de falso amor? Por quanto tempo a nobreza dos sentimentos isolaram meu calcanhar novinho e rosa de pisar o chão e me conectar com meu próprio fígado, sede primal da alma pros antigos?
É fim de ano e vejo amigos e amigas e conhecidos caindo no poço da vida real. Está tudo interligado. As mesmas emoções nobres que nos isolam dos outros seres humanos, tornado-nos especiais para nós mesmos em relação a eles, também não nos deixou ver que era sobre nós mesmos que falavamos quando diziamos, Os pobres vão se fuder com tudo isso. Nós somos os pobres de sentimentos nobres. Nós somos aqueles que achavamos nao ser aqueles que cairiam junto com o primeiro sopro de retrocesso social. Nós não somos os ricos, nós queremos pertencer junto com eles, mas nós não somos os ricos. Mesmo que conhecimento seja riqueza e poder, nós não somos os ricos. Nós todos caímos ou cairemos ao primeiro sopro da crise. Eu vi isso. Eu vi meu verdadeiro calcanhar e percebi também que, mesmo descalço, ele nunca havia tocado a terra.

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