Meu Mundo Caiu

Hoje de manhã acordei com o firme propósito de levar o joca e depois passar no Savegnago Nove De Julho para comprar carne, molho, cogumelos, creme de leite e batata palha para fazer estrogonofe. Deixei o joca e rumei pro supermercado. Chegando lá, vejo um carro parado na porta do estacionamento que ainda está fechado. Eu penso, ué, será que cheguei muito cedo? Olho pra ver as horas e descubro que são 7:17 e o super continua fechado. Será que mudou o horario de abertura? Será que está sendo assaltado? Torço para ser um assalto, não vou suportar que meu paraíso solitário das compras das manhãs mudou de horário de abertura. Rezo pelo assalto com reféns.
Resolvo aproveitar e caminhar três quarteiroes para depositar um cheque, de uma venda de um desenho, no banco e, com isso, passar o tempo. Vou e volto e tem uma fila já esperando pra entrar. Pergunto pra uma moça q está chegando com uniforme do supermercado e ela confirma o inevitável, Sim, agora abre as sete e meia.
Nãããoooooooo, meu mundo caiu. Fudeu tudo. Como vou fazer compras ligeiras, ao amanhecer, para o almoço e pensar na existência humana e no universo em desencanto ao meu redor de agora em diante? Sete e meia é muito tarde para mim, atrasa tudo, desrregula minha rotina de voltar pra casa, ler o face, escrever alguma coisa, ir pro pilates, deixar coisas no cozimento lento da panela elétrica, voltar, fazer almoço e ligar, ao mesmo tempo, robôs pela casa que aspiram e passam paninho. A onda sísmica é tão grande que até meu querido diário eu sinto ameaçado. O que vou fazer? Não dá para ir ao pão de açúcar, substituir um supermercado pelo outro. No pão de acucar só tem daquelas peruas plastificadas que ornam o colar de bolas gigantes com o tom verde bandeira do vestido classic noveau. Eu tenho ódio e atração por aqueles quilos de botox e massa corrida de cara, sobrepostas. Não, lá não dá.
Até quando eu vou conseguir manter esta felicidade tênue construída sobre um mundo sólido cujos pilares foram fincados em areia movediça? Quando vai acabar meu dinheiro? Ele acaba daqui, aparece dali e eu viveria para sempre assim, se a linguagem que criou uma dobra no existir humano nao me visse existindo o existir que eu vivo existindo. Se esta porra da linguagem não tivesse me dado a consciencia que eu existo e que eu sei disso e consigo me ver vendo que eu existo. Esta porra de linguagem que fundou o tempo dentro e fora de mim e que consegue fazer meu eu sair voando bem alto como um drone teleguiado pela minha consciencia de ter consciencia e lá de cima ver eu no presente, no passado e no futuro. Ah maldita linguagem q me diz, Ó, pode ser que isso não dure tanto como você quer que dure.
A mudança de horário do supermercado mexe com o meu começo de dia que mexe com minha rotina da manhã. Não gosto de mudanças, mas gosto menos ainda de nao ter um lugar para pensar sobre as coisas dentro da minha cabeça e fora dela.
Eu compro tudo que fui lá comprar no supermercado mas, sintomaticamente, não compro nada além do planejado. Saio de lá com exatamente aquilo que planejei comprar. Acho isso um sinal. Acho que eu sei que não vou mais voltar lá com a mesma frequência de antes. Pequenas perturbações no sistema podem causar grandes mudanças em sistemas dinâmicos longe do equilibrio. Chego em casa e vejo três carros estacionados no mesmo quarteirao. Um amarelo, um vermelho e um azul. Muita cor no mesmo lugar quebrando aquela pasmaceira mediana do mundo de gente mediana que compra carro cinza e/ou prata pq o delsmercado disse que tem mais poder de revenda e dai você compra pq você vai trocar de carro no final do ano. Eu penso que é um sinal. Eu vejo sinais nas coisas, eu procuro padrões de sincronicidade nas coisas. Quase nunca eu entendo estes padrões ou mesmo tenho certeza que eles existem. Não importa, ver padrões, sinais nas coisas, para mim, é uma forma de fazer poesia com o cotidiano. É usá-lo como oráculo, o cotidiano.
Recapitulando, o supermercado muda de horário e eu sinto que fiz alicerces sobre areia. Eu chego em casa e meu quarteirao tá colorido pelos carros. O que o cotidiano diferente do cotidiano igual me diz ou tenta dizer? Ele me diz que a linguagem e sua capacidade de projetar o futuro, não garante que vá ser sempre assim, pois as coisas mudam. Mas ele também me diz que se as coisas sólidas fatalmente mudam, elas também podem mudar para melhor, mesmo quando são cinza-prata, homogêneas e monótonas.
E tudo isso que começou com a Maysa, termina com o Wisnik que me diz que se meu mundo cair, eu que aprenda a levitar.

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