O Três Motivos

Ontem fui pra tambaú pagar promessa que fiz num momento de profundo fundo do poço no CTI pós operatório, num dia que tive certeza que entendi como se morre. Sem fogos, sem música dramática, se câmera que se afasta lentamente, sem revoada de anjos e/ou demônios. No dia que eu senti que não sairia mais dali e que era assim que se morre. Neste dia fiz duas promessas, que iria em Tambaú acender uma vela pro padre donizetti que, desculpa aí, já tinha me dado uma benção quando era bebê. E que também iria beber uma coca de garrafa inteira, virando no gargalo direto, igual na propaganda, se eu conseguisse sair de lá, ainda aqui neste mundo.
Apesar de não ter acontecido nada fisicamente grave neste dia, emocionalmente eu cai. Então, prometi.
Não tenho problema algum em ser ateu e pagar promessas. Sou ateu, graças a Deus! Prefiro ser um ateu que paga promessas do que um cristão que deseja a “morte daquela vaca”.
Quando sai do hospital, não tive coragem de tomar a coca-cola. Parei de tomar refrigerantes no dia 1 de janeiro de 2017. Foi neste mesmo dia 1, só que vinte e cinco anos atrás que eu parei de fumar e nunca mais fumei. Por conta deste simbolismo, fiquei com dó de tomar a coca prometida pq não tinha tomado nenhuma neste ano e, por incrível que pareça, gosto de manter minha imagem de imaculado para mim.
Fomos todos para lá. Programação já traçada, chegar, ver a praça da antiga igreja onde passei a minha infância junto aos bichos esculpidos nos arbustos iguais ao do Edward Mãos de Tesouras, almoçar no Cebola Brava que a gnt tinha visto na internet muitas pessoas falando super bem da comida e atendimento caseiro. Acender três velas para dois pedidos e um agradecimento. Tomar sorvete e zarpar de volta.
Os arbustos esculpidos tão meio caidaços, sei lá se é o inverno ou se eles estão sumindo no tempo, O almoço do cebola é realmente muito gostoso. Comemos PF de carne moída, arroz, feijao, tutu, farofa e polenta frita e eu tomei coca-cola. Um espetáculo sentir as bolinhas de gás mais o doce agora muito mais doce da água negra do imperialismo. Um espetáculo saber que é bom mas que posso viver sem ela e só tomar quando voltar a Tambaú daqui uns cinco anos, que é mais ou menos a minha média de ida para lá.
Depois, na igreja nova, enorme, bonita, moderna, eu gosto mais da antiga charmosinha, eu coloquei as moedas para acender a vela eletrônica moderna. Acendi e sentei e, sem saber como rezar, resolvi olhar para cima, para os lustres, focalizei três e trasnformei-os em meus três motivos de estar lá. Resolvi que se eu pensasse em tudo ao mesmo tempo agora e esse tudo formasse uma holografia emocional do que eu senti já bastava enquanto reza de ateu tem poder.
Fomos tomar sorvete numa sorveteria que, a claudia e o nico repararam, o dono sorveteiro tinha as mãos pretas de graxa, tipo assim como se ele fosse mecânico e sorveteiro at same time. Eu, para variar um pouco, não vi nada. O que não quer dizer muito pq vocês se lembram que, num episódio anterior eu assisti uns cinco minutos de quadro na parede, achando que fosse a tv. O sorvete de jabuticaba estava muito bom. Só achei eles muito coloridos, muito a fantastica fabrica de sorvetes do wonka.
Ainda passamos numa lojinha de muambas paraguaias e a turma cada um comprou uma coisa. Souvenirs da china. Viemos embora escutando minhas fitas k7 saladinha mista da década de 1990 que eu digitalizei pra colocar no meu site. Escutei pouco pq as ‘crianças’ falaram e riram a viagem inteira. Eu me senti feliz, mas não senti nenhum alívio, nenhum ciclo se fechou e nem eu vi a face de Deus. Eu senti apenas que nao foi um encargo pagar minha promessa e que promessas boas são estas que fluem no viver. E que o deus das grandes coisas, às vezes, é também o deus das pequenas coisas.

O Dia em que Abri a Porta pro Jair

12072017
Esta noite sonhei que o Agnaldo Timoteo me chamou para conversar sobre um assunto que eu nao sabia qual era. O lugar em que eu estava tinha divisórias e portas iguais aos lugares comerciais, aos escritórios. Quando estava chegando e fui abrir a porta para entrar num destes lugares de divisórias, o Bolsonaro estava chegando e eu, gentilmente, abri a porta para ele entrar antes de mim. Na minha cabeça, no sonho, uma voz dizia, Você está sendo gentil com o bolsonaro? Esta voz dentro da minha cabeça, dentro do meu eu do sonho, sonhado pelo meu eu acordado e que estava dormindo, era meu inconsciente. Sim, minhas gente, era o próprio. Tem hora, comigo, que não tem simbólico, não tem o mar turbulento que significa, tem a coisa em si nos meus sonhos. Tem o capeta, tem o incosnciente.
E meu inconsciente consciente dentro do sonho do meu inconsciente me dizia, Preste atenção no significado das coisas que você faz, ou não faz.
E eu entrei e sentei na mesinha de frente pro Agnaldo e ele me disse, O dinheiro já está na sua conta. Cobrimos o negativo e tem mais 300 reais. E eu disse, Como assim? Pq este dinheiro? E a voz disse, Tome cuidado com este dinheiro. E Agnaldo disse, Escolhemos alguns artistas e resolvemos dar uma ajuda de custo para eles.
Neste momento, entrou na sala o Bolsonaro e ficou em pé, atrás do Agnaldo que estava sentado na minha frente. E foi neste momento que eu e minha voz dentro de mim, entenderam quem estava por trás deste financiamento. E o meu eu dentro do sonho, ficou feliz e na dúvida com este dinheiro. E o meu inconsciente consciente, dentro do meu eu do sonho dentro de mim, aqui da vida acordada, mais uma vez me alertou do que aceitar aquele dinheiro, que seria mensal, significava. E o meu eu dentro do sonho teve muitas dúvidas se só aceitar o dinheiro teria algum problema. E perguntou pro Agnaldo, Mas o que vocês querem de mim? Já que não existe almoço grátis. E o meu eu do sonho não escutou a resposta pq foi dormir, enquanto o meu eu acordado, acordava. Com dúvidas, com muitas dúvidas.

O Viajante sobre Mar de Névoa

10072017
Hoje foi uma manhã singular de um ontem quase cômico. Eu tinha retorno ao cardiologista que vai me seguir agora já que estou de alta da cirurgia. Marquei no primeiro horário, 8 e meia. Na hora de acordar as sete em plenas férias e frio de ribeirao, tive uma ponta de arrependimento de gostar de marcar cedinho, mas lá fui eu no sol luminoso e frio do inverno.
Entrega carteirinha, espera na sala de espera no facebook enquanto não é chamado. Sentei bem num canto de uma sala de espera enorme que tem até uns sub ambientes nichos de tão grande que é. To no face mas a tv está ligada. Como não vejo mais tv, quando tem uma ligada eu fico maravilhado olhando as propagandas, os noticiários, as novelas. Ela fica me dizendo, Volta, volta pra mim! Igual a velhinha do Em algum lugar do passado diz pro superman.
A maravilha de ver tv agora que tomei a pilula nao sei que cor do matrix é justamente isso. Ver pessoas que eu achava que falava normal e perceber que tem uma oratória diferenciada da realidade até mesmo numa mera propaganda. É escutar que quase todos os jingles são inspirados em funks cariocas, e isso não é uma crítica mas sim uma constatação de como um estilo torna-se tão importante que se espalha por outras midias pq o mercado precisa ser moderno e acompanhar o ritmo do momento.
Escuto o apresentador do telejornal dizer que houve deflação, que os preços de vários produtos abaixaram. Olho para a tela da tv que está longe lá na parede e vejo que tem uma imagem de umas montanhas no meio da névoa. Algo parecido com aquele quadro romântico Viajante sobre mar de névoa do Caspar não sei o que. Volto pro facebook. Passa um tempo, o apresentador diz que foi assassinado alguém no norte do país que lutava contra o desmatamento ilegal da amazonia. Automaticamente, desvio o olhar do celular para olhar para a tela da tv. A imagem das montanhas e névoa está lá ainda. Começo a achar estranho. Me questino, Que raios de que esta imagem tem a ver com um cara assassinado? O que está acontecendo com esta TV? Ou será que a tv brasileira mudou tanto assim nestes 3-4 anos que eu parei de assistir?
De repente, cai minha ficha. Graças a Dels tudo isso aconteceu dentro de mim, só em pensamentos e olhares. Cai minha ficha que eu estava olhando para um quadro na parede enquanto escutava a voz q vinha da tv que estava fora do alcance da minha vista e era por isso que a imagem nao mudava.
Bom, de resto foi tudo bem. Meu coração tá ótimo.

Temer foi Preso

Minha mente, hoje, foi tomada por lembranças fugidias de um sonho que tinha zumbis e eu gritava para alguém não fazer uma coisa que era óbvio que iria dar merda. Acordei na hora que quis, tinha cobertor e travesseiros mas, mesmo assim, não posso dizer que foi uma noite de descanso. O primeiro pensamento que pensei foi sobre o jantar da noite anterior com os nhoques congelados que a Cássia trouxe de Araraquara, muito melhor que os gourmet-storytelling de ribeirão e muito mais barato também. Pensei em como é lindo quando os nhoques cozinham e flutuam na água fervente pedindo para serem pescados pela rede concha furadinha.
Passei a manhã fazendo coisas da casa e upando coisas pro meu site. Teve uma hora que vi momentos de pânico e terror quando a roomba perseguiu uma aranhinha daquelas que pegam mosca, a coitada pulava para tentar escapar do aspirador, já ia interferir quando ela teve a grande idéia de pular para o lado e dai escapou. Com o pé, fui ameaçando ela ate q ela fugiu para debaixo do meu armario e ficou a salvo.
No whats da família aparece um alerta de que não é para abrir video do temer sendo preso pq é um vírus que formata seu HD. Fico injuriado em como se repassa estes boatos ainda hoje em dia. Qualquer alerta sobre algo que vai formatar seu HD não merece ser levado a sério. O bom vírus nunca mata seu hospedeiro. Minha mente vai longe. O mundo gira para permanecer sempre no mesmo lugar. O que antes era feito em volta das fogueiras, depois na venda do seu zezinho, a manga com leite, a mulher do cemitério, o roubo dos rins para transplante, hoje é feito no whats. A necessidade que os não necessitados tem de temer alguém ou algo, já que Deus hoje faz menos mal do que um virus de computador, sempre permanecerá viva. Precisamos ter medo. É só tendo medo que justificamos o tanto que temos em relação a quem não tem nada. Se, por alguns segundos, tivéssemos o vislumbre  do que é sofrer de verdade nunca precisaríamos dos boatos, das lendas urbanas e contos de fadas para nos incomodar o sono. Somos privilegiados. Deus não tem motivos para nos castigar. Mas não suportamos o paraíso. Precisamos sofrer de causas imaginárias para suportar que realmente cagamos e andamos para o sofrimento real do outro que não somos nós.
Consertei meu óculos de leitura que era o bom com um pouco de durepóxi. Como fazia tempos que nao o usava, estou tendo dificuldades pq a tela do computador parece 3d de tão nítida. O celular até se curva e eu vejo cada pixel saltando em pontos de luz. Estou vendo demais. Preciso parar com isso.

Brinca com a vida

05072017

Hoje a jornada fora da espaçonave foi mais longe. Munido de dônica traffic e fita k7 saladinha minha dos 90 transformada em bytes rumei em direção ao infinito e além.
Ribeirão ta frio e ventando, para ribeirao, óbvio. Mesmo assim, ou melhor, por isso mesmo, sai para caminhar. Lista de afazeres na caminhada. Banco pegar cheque pra pagar pilates. Comprar envelope para colocar correspondencia nos correios, ir ao carrefour para nao perder o costume e aos correios, comprar um envelope de sabão para lavar a lavadora de roupas no multicoisas.
Tudo vai bem no frio matinal, ando ando ando e me sinto bem, (vou pular aquela parte de dizer como eu fico feliz em caminhar e nao sentir dor). Na volta, passo na papelaria e compro o envelope de carta. Passo em casa e pergunto se algum filho quer ir junto, mas eles tão de boa na lagoa e nao sentem nenhuma necessidade de sair para caminhar no frio. Endereço a correspondência e rumo ao carre-correio.
Tenho 30 reais em dinheiro. Penso em colocar a carta, comprar o lava lavadeira e um chocolate meio amargo para fazer um bolo de chocolate que ja fiz que vai cacau e manteiga e fica muito bom e quero inventar moda de colocar pedaços de chocolate no meio dele.
Também nao me sai da cabeça aquela meia de Ets na renner que tá 9,90. Dez conto de chocolate e carta, dez conto de meia e dez conto de lava lavadora.
Porém, a vida é real e de viés e vê só que cilada ela me armou. nem chego no carrefour, passo antes nas americanas pro chocolate meio amargo e tinha lá uma marca que tres custava 10. Hoje em dia, vc precisa ficar comparando a relação preço/gramas pq cada vez que eu compro chocolate tem um micro aviso dizendo, Este produto teve seu peso reduzido para… Acho que ainda serão vendidos numa pesagem que até nutricionista vai gostar. To saindo da loja e vejo, cinco kitkats por dérreal. Pego cinco pq dá super certo cinco pra uma familia de cinco e volto pra fila. Enquanto estou esperando, a moça que já estava sendo atendida, volta para pegar alguma coisa e passa por mim sem olhar para mim com contrato tácito de que eu-sou-mulher-nao-falo-com-homens-por-isso-quando-eu-chegar-perto-voce-apenas-se-afaste-para-eu-passar-mesmo-que-eu-nem-peça-licença-pq-eu-nao-falo-com-homens. Óbvio que eu fiz, sustentado por milenios de cultura, o que ela (não) falou para eu fazer.
Pensei, que truque sujo este do patriarcado, nós ensinamos as moças a serem inatingíveis e dificeis apenas para que a caça seja mais prazerosa e valorizada por nós, os homens. E as mulheres, muitas delas, engolem este discurso achando que se trata delas. Infelizmente, muitas nao percebem a jogada de macho-marketing e quando acordam tão lá, ex-lindas difíceis no tanquinho com os fio do lado enquanto o maridão ta jogando uma pelada cuzamigo na quadra da vizinhança.
Lá se foi minha meia phone home, lá se foi a limpeza das entranhas que soltam aqueles pedaços de objetos nao identificados marrom nas roupas pq vc nao faz lavagem de intestinos regularmente na sua máquina de lavar roupas. Meu dinheiro acabou. Volto pra casa abatido, o que me faz olhar para o chão. Vejo um besouro capa do massive attack. Ele está na calçada perto de um formigueiro, meio que pode ser que meu lifetime esteja terminando. Eu, como todo bom humano com complexo de deus, pego uma varetinha num terreno baldio e resolvo colocá-lo na terra para que, se for o caso, ele morra de um modo mais telúrico ou, se não for, que ele cave um buraco e se esconda. Eu jogo e ele cai de barriga pra cima e fica mexendo as perninhas e eu penso que piorei muito a vida dele. Vou lá e desviro ele e vou embora. Na orelha toca Bicho Burro e o vocalista canta o refrão, Você, brinca com a vida, brinca com a vidaaaaaaa, até morreeeeer. E eu aproveito que to num lugar da cidade que não tem ninguém e canto em voz alta o refrão junto, Vocêêê brinca com a vidaaaaaaaaaaaaaa! Alto, muito alto, mesmo pq eu não escuto nada do que estou cantando e daí, o desafinado do meu peito onde também bate um coração não me inibe e eu toco em frente a minha vida, brincando.

 

A mesma praça, o mesmo banco

29062017
Depois de uma noite descansável que aconteceu depois de uma dor de estômago infernal fruto de suco de tangerina, frituras, raiva e cinco waffers de chocolate com avelâs comidos com ódios, acordei chumbado pelo coquetel jimijanis de plamet, espinheira santa, omeprazol e frontal.
Hoje voltei ao trabalho, só que não. Pq amanha entro de férias e na escola nao tem mais alunos. Fui lá para pegar o papel e fazer meu exame médico de retorno pós inss. Oito da manhã e eu ja caminho pelo centro da cidade escutando músicas no iPhone.
Chego no lugar de fazer exame e, diferente das informações dadas anteriormente “é só chegar lá e fazer” descubro que preciso agendar pq o médico não vai de quinta. Saio de lá e volto para a praça. Paro e tiro uma foto do casarão abandonado. Vem vindo um moço que tem algum problema motor e anda com as mãos um pouco abertas e meio balançando-rebolando. Ele tem uma feminilidade gay (ok, construída socialmente, mas tem) que eu fico na dúvida se é da deficiência motora ou se é também dele gênero construído. Nas orelhas toca “E se o jóquei promovesse alguns páreos com jumentos? E se a royal injetasse nos anões uma dose excessiva de fermento? E se as casas da banha abatessem algns gordos para seu abastecimento? E se a dulcora lançasse no mercado um drops diet de cimento? Flat-cemitério-apartamento” e eu acho que tem tudo a ver com meu momento penso isso do moço mas nao posso pensar isso do moço que anda diferente.
Lembro que tem um café ali perto bem charmosinho e resolvo fazer igual nos filmes, apesar de ja ter tomado em casa, entrar, pedir um café com leite e algo para comer. São 15 pras 9, o comércio abre as 9 e eu estou disposto a comprar uma capinha transparente e uma película de vidro para colocar no meu celular. Na hora que entro na cafeteria, iGod canta para mim, Você tem fome de que? Peço o pingado e uma fatia de bolo três leites, acho que é isso que chama Algo bem doce com leite em pó, doce de leite e brigadeiro branco. Algo bem tranquilo para quem tinha um estômago que se comportava como uma minhoca aquática fora d’água há menos de 12h. A vida é risco. Tinha certeza que aquilo iria dar merda. Até eu que gosto de doces, achei exagero aquele bolo dooooce naquela hora. Entreguei para Jesus. Tem hora que você precisa se arriscar nesta vida. Foda-se.
Saio de lá disposto a caminhar para fazer a digestão num estômago fragilizado por más escolhas da vida. Vou pro centro popular de compras achar minha capinha e película. Lá dentro, naquele mar de bonés, capinhas, celulares, brinquedos da china, no meio daquele petit paraguay nos foninhos de iGod tocam computer world. Também acho que orna com o momento. Gasto 25 reais e coloco a capinha mais a película de vidro. Saio feliz e mal intencionado pq no caminho tem tres sebos de vinil. Não adianta eu ter ganho uns trinta lps maravilhosos, o viciado caçador não consegue viver só de bife de supermercado. Ele precisa adentrar a selva de poeira e agarrar com suas unhas de carnívoro alguns espécimes de vinil de seu habitat natural para satisfazer seus instintos. Mesmo assim, passo nas três e não compro nada. Me sinto o próprio deus da guerra, senhor de mim, meu pai oxalá é o rei venha me valer.
Subo em direção a escola onde está meu carro. Passo pela catedral. A mesma praça, o mesmo banco que eu sentava pq não aguentava de dor no braço esquerdo e peito e tinha que parar e sentar um pouco para descansar. Mas agora o rio flui sob as pontes e o rio é o mesmo, mas nao é também porque o sangue que passa por ele, agora, é outro. Eu também sou outro, só que nao.

O leite de coco

 

Esta história termina assim. Eu olhei para a garrafinha vazia de leite de coco, passei uma agua, olhei para a tampinha de metal, tipo catilim para quem for de Tambaú, apertei-a no bocal da garrafinha e disse, Sejam fortes, mantenham-se unidas que nada conseguirá separá-las, e as joguei no lixo do recicláveis.
O shopping hoje, segunda de manhã, no meio da crise, que crise? parecia um cenário prum filme de zumbis do romero. A diferença é que nem zumbi tinha. Grandes espaços vazios, locação perfeita também prum mad max, faltava só empoeirar um pouco.
Coloquei, pra andar, uma calça de moletom da richards que na parte de cima tem aqueles negócios de colocar o cinto. Então em cima é chique fino e embaixo é despojado abrigo. Ando parecendo o mano brown, full of style, sqn. Chego no carrefour pra comprar leite de coco, batata palha e creme de leite pro estrogonofe de frango do almoço. Sim, sim, eu coloco leite de coco no estrogonofe, fica uma coisa meio esquizoestrogobobó, fica bom. Se não me engano, peguei a idéia de um estrogonofe da Nina Horta do livro Não é sopa, que nunca fiz, mas sempre quero fazer. Por enquanto só peguei o leite de coco de idéia. É que nunca tenho o vinho rosê, o buquê de nao sei o q.
To de fone, escutando FKA Twigs. Só agora caiu a ficha desta cantora, escutando no fone dá para perceber a complexidade dos vocais eletronificados dela, as bases que nunca engrenam. Tipo uma Björk com uma voz que não é chata e nem irrita depois de um tempo, ops foi mals, pensei em voz alta!
Vou lá entre corredores, deambulando, adoro esta palavra e, mesmo que não seja o que estou fazendo, eu uso sempre. Tipo um novo rico de vocabulário. Alguém bate de leve nas minhas costas. Um ex-aluno. Me olha com olhar de carinho que deve ser semelhante ao que estou a olhar para ele também. Diz que a escola tá ruim, que mudou muito, que as pessoas são muito falsas. Diz coisas sobre pessoas que eu descobri na prática e fico satisfeito de perceber que os alunos percebem que o mal não é o que sai da boca do homem. O mal é o homem. Que não adianta falar uma coisa e ser outra. Eles percebem. E perceber que eles percebem me acalma um pouco pq, convenhamos, tem muito mais gente além do Temer que precisa cair for

Orgulho

01072017
ontem a noite, deitei na cama e fiz o que todo mundo faz neste momento, pensei na minha vida. Pensei em tudo que aconteceu comigo nos últimos meses. Pensei pelo que passei, pela maneira natural que tudo aconteceu. Pensei como eu preciso parar para pensar nas coisas para perceber que tudo isso foi uma exceção. Não consigo sentir assim, sinto apenas o fluir da vida que tem destas coisas. Apesar de todo o meu fricote aqui no facebook, de ter usado minha operação até para penchinchar discos de vinil num sebo, na mais profunda verdade eu achei tudo normal e natural no viver da minha vida. É sério, não tenho dó de mim, tenho orgulho de estar aqui, depois de tudo. Mas não é um orgulho meupaidossél, nao é um obrigado 100or. É um orgulho de nao me orgulhar por ter sido forte e ter enfrentando tudo isso.
Na verdade, isso tudo foi disparado por uma frase dita pela terapeuta do meu filho que ligou para falar das férias dela e, como não tinha falado comigo ainda depois da cirurgia, me perguntou como eu estava, eu disse que tava ótimo e dai ele me deu os parabéns por ter passado por este enfrentamento.
Achei engraçado receber o parabéns. Mas na sequência me deu um orgulho pq a frase dela deslocou tudo de eu ter sido um sujeito passivo que passa por uma situação da vida para um sujeito ativo que enfrentou com as armas de jorge a situação pela qual passava.
A noite na cama, veio tudo na minha cabeça, igual filme que faz uma sequência de imagens para lembrar o que aconteceu. Eu tive vontade de rir quando lembrei que antes do exame de cateterismo eu tive muito medo, muito medo mesmo. Em como a gente é perdulário em gastar nossos medos com bobagens.
Depois, eu tive uma vontade de chorar. E chorei um choro seco. Um choro de vitória do homem comum sobre as coisas da vida. Meu orgulho de mim continuou lá, um estranho híbrido chamado orgulho humilde.

Chulé+bala chita+desodorante de pinho 30062017

Hoje fui fazer o meu exame médico para mostrar que estou apto para voltar para as férias escolares. Resolvi ir de uber, depois ficar dando um rolê pelo centro, coisa que já disse para vocês que adoro fazer. E adoro saber que eu posso fazer de novo, adoro tanto que vocês nem podem imaginar o tanto que eu adoro tanto deambular por lá.
Quando meu uber chegou, dou de cara com a naomi campbell quarentona do cerrado na direção. Negra, bonitona, cabelo com franja e liso até quase na cintura, óculos de sol jaqueline onassis, pulseiras de ouro e anéis e colares mil adornando o ser. Fomos conversando sobre buracos, única variável possível de assunto do manjado será que vai chover. Naomi liga o som, começa um sertanejão universitário típico, com aquele acordeão típico e eu a perdõo por este deslize. Mais do que isso, eu começo a gostar da música e de sertanejo universitário no modo eterno enquanto dura do vinicius. Chego ao meu destino, Desço do carro, falo tiau pra Naô e automaticamente volto a desgostar de sertanejo universitário.
Entreguei os papéis no local de fazer exames médicos de trabalho e fui preencher aquele formulário com perguntas que vc tem que preencher quando é admitido, readmitido, demitido, periodicamente inspecionado e tals. Prancheta, formulário e caneta e lá fui eu sentar numa cadeira da sala de espera. Logo depois de mim veio um mocinho que não respeitou a regra básica de destribuição espacial de pessoas que não se conhecem num ambiente comum. Ou seja, sentou ao meu lado, não pulou uma cadeira. Não que tivesse uma cadeira para ele pular, mas na fileira de trás tinha. Ele tinha cheiro de desodorante de ômi, aqueles de pinho, talvez pq ele fosse ômi. Mas acho que ele tinha tomado banho de perfume pq o cheiro tava muito alto. Fiquei lá de boa mas, se tivesse um controle remoto para desodorantes na vizinhança, teria abaixado quatro risquinhos pelo menos no volume do cheiro.
A moça me chama para pesar e medir e perguntar umas coisas. Faço esta parte e ela me manda para outra sala de espera. Passa um tempinho e vem o cheirosão e senta ao meu lado, agora já somos amigos. Mas aquele cheiro de pinho macho começa a me dar dor de cabeça. Passa mais um tempo e me chamam de novo e me mandam para outra sala, que é para eu aguardar que o médico vai me chamar.
Ao entrar na sala de espera meio cheia de gente, tenho um impacto olfativo estilo nouvelle cousine catalã, bate uma lufada de cheiro de chulé com bala chita. Experiência pior que essa só entrando numa cabine lotada no meio da noite num trem de Bruxellas para Paris junto com a Maria José Neves em 1989.
Sinto saudades do moço do pinho, mas nem deu tempo pq la veio ele e sentou ao meu lado de novo. Pinho+chulé+bala chita, Quem disse que nao poderia piorar?
Começo a pensar que pinho tá me crushando. Mas eu pensar isso nao significa nada pq meu coração pode ser novo e saudável mas continua cheio de sujeiras e maldades.
O médico me chama, falo tiau pro pinho. Eita médico simpático, conversamos muito, no final ele até conhecia uma moça que tem uma filha que tem aula comigo na escola que eu estava fazendo o exame para voltar ao trabalho.
Ainda saio de lá e passo na escola para deixar o papel do exame. Depois, subo a pé até a nove, combinei de encontrar com a Claudia para comermos alguma coisa na Familiare. Chego antes, entro e fico esperando por ela em uma mesa.
Na mesa mais ou menos ao lado tem um grupo de médicas, senhoras, digo senhoras mas devem ter a mesma idade que eu. Tem uma que fala mais alto, tem uma dicção boa, parece oradora, então a voz dela se sobressai dentro de toda a panificadora. tento não prestar atenção no que ela fala mas a voz me hipnotiza sobre todo o murmurinho do local. E olha que eu não estou tão perto assim delas. Fico sabendo que ela nunca conseguiu aprender estatística, nem na graduação e nem na residência e nem na pós. Tem um sobrinho dela que teve várias dificuldades mas agora aos 29 consegui ser alguém que a gente não percebe que não é alguém. Sei também que ela vai fazer aniversário e da velha turma de medicina que ainda está em ribeirao ela vai convidar a ginecologista da claudia e uma outra amiga minha. Preciso sair dali urgente, meu cérebro começa a ser tomado por só escutar aquela voz. Vou para outro lugar esperar a claudia, quero ter os meus pensamentos de volta, nem que sejam sobre o chulé-chita-pinho-desodorante. Nem se comparam com aqueles sobre estatística, mestrado e mercado de trabalho das ladies da mesa, mas pelo menos são meus.
A Claudia chega e vamos sentar. Os filhos foram ao cinema com a prima. A vida é férias, a vida é ir e vir, é volta. É lembrar das sextas perdidas no tempo em que iamos lá com minha mãe. É ir lá mesmo assim e (quase) nem lembrar disso pq a vida continua. E como continua, custe o que custar.

querido diário 29062017


Depois de uma noite descansável que aconteceu depois de uma dor de estômago infernal fruto de suco de tangerina, frituras, raiva e cinco waffers de chocolate com avelâs comidos com ódios, acordei chumbado pelo coquetel jimijanis de plamet, espinheira santa, omeprazol e frontal.
Hoje voltei ao trabalho, só que não. Pq amanha entro de férias e na escola nao tem mais alunos. Fui lá para pegar o papel e fazer meu exame médico de retorno pós inss. Oito da manhã e eu ja caminho pelo centro da cidade escutando músicas no iPhone.
Chego no lugar de fazer exame e, diferente das informações dadas anteriormente “é só chegar lá e fazer” descubro que preciso agendar pq o médico não vai de quinta. Saio de lá e volto para a praça. Paro e tiro uma foto do casarão abandonado. Vem vindo um moço que tem algum problema motor e anda com as mãos um pouco abertas e meio balançando-rebolando. Ele tem uma feminilidade gay (ok, construída socialmente, mas tem) que eu fico na dúvida se é da deficiência motora ou se é também dele gênero construído. Nas orelhas toca “E se o jóquei promovesse alguns páreos com jumentos? E se a royal injetasse nos anões uma dose excessiva de fermento? E se as casas da banha abatessem algns gordos para seu abastecimento? E se a dulcora lançasse no mercado um drops diet de cimento? Flat-cemitério-apartamento” e eu acho que tem tudo a ver com meu momento penso isso do moço mas nao posso pensar isso do moço que anda diferente.
Lembro que tem um café ali perto bem charmosinho e resolvo fazer igual nos filmes, apesar de ja ter tomado em casa, entrar, pedir um café com leite e algo para comer. São 15 pras 9, o comércio abre as 9 e eu estou disposto a comprar uma capinha transparente e uma película de vidro para colocar no meu celular. Na hora que entro na cafeteria, iGod canta para mim, Você tem fome de que? Peço o pingado e uma fatia de bolo três leites, acho que é isso que chama Algo bem doce com leite em pó, doce de leite e brigadeiro branco. Algo bem tranquilo para quem tinha um estômago que se comportava como uma minhoca aquática fora d’água há menos de 12h. A vida é risco. Tinha certeza que aquilo iria dar merda. Até eu que gosto de doces, achei exagero aquele bolo dooooce naquela hora. Entreguei para Jesus. Tem hora que você precisa se arriscar nesta vida. Foda-se.
Saio de lá disposto a caminhar para fazer a digestão num estômago fragilizado por más escolhas da vida. Vou pro centro popular de compras achar minha capinha e película. Lá dentro, naquele mar de bonés, capinhas, celulares, brinquedos da china, no meio daquele petit paraguay nos foninhos de iGod tocam computer world. Também acho que orna com o momento. Gasto 25 reais e coloco a capinha mais a película de vidro. Saio feliz e mal intencionado pq no caminho tem tres sebos de vinil. Não adianta eu ter ganho uns trinta lps maravilhosos, o viciado caçador não consegue viver só de bife de supermercado. Ele precisa adentrar a selva de poeira e agarrar com suas unhas de carnívoro alguns espécimes de vinil de seu habitat natural para satisfazer seus instintos. Mesmo assim, passo nas três e não compro nada. Me sinto o próprio deus da guerra, senhor de mim, meu pai oxalá é o rei venha me valer.
Subo em direção a escola onde está meu carro. Passo pela catedral. A mesma praça, o mesmo banco que eu sentava pq não aguentava de dor no braço esquerdo e peito e tinha que parar e sentar um pouco para descansar. Mas agora o rio flui sob as pontes e o rio é o mesmo, mas nao é também porque o sangue que passa por ele, agora, é outro. Eu também sou outro, só que nao.